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Estado usa leis para justificar mortes contra negros, diz pesquisador

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A engrenagem para justificar e racionalizar as mortes cometidas contra a população negra, no Brasil, utiliza-se das leis e das regras jurídicas para a manutenção dessa barbárie. A conclusão é do professor de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro da Comissão Arns, Thiago Amparo, que participou do debate “Racismo, segurança pública e democracia”, na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), nesta terça-feira (18).

Com base em estudos conduzidos pelo Centro de Pesquisa de Justiça Racial e Direito da FGV, o pesquisador questiona a narrativa que coloca em lados opostos a atuação de um sistema jurídico que, em tese, respeita o Estado de Direito, e a ocorrência de uma necropolítica (quando o Estado decide quem deve viver e quem deve morrer).

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“Nas pesquisas, a gente olha não só o que o policial faz ou deixa de fazer, mas como o Judiciário atua. Na verdade, não é que existe uma lei que funciona de um lado e uma barbárie de outro. Muitas vezes, o próprio sistema jurídico racionaliza a barbárie por meio de regras jurídicas”, explicou Amparo.

Um exemplo é a aplicação seletiva da legítima defesa, de forma a permitir abusos de agentes de Estado. O pesquisador cita o caso do músico Evaldo Rosa, morto enquanto dirigia um carro, acompanhado por sua família, a caminho de um chá de bebê, em abril de 2019. Militares do Exército que faziam policiamento na região dispararam 257 tiros de fuzil contra o veículo: 62 atingiram o carro. Os militares alegaram que confundiram o carro da família com outro que tinha sido roubado, e dispararam em legítima defesa. A viúva de Evaldo, Luciana Nogueira, contestou a defesa ao dizer que “257 tiros você atira para matar”. Em 2024, o Superior Tribunal Militar (STM) reduziu as condenações de oito militares do Exército acusados pela morte do músico. 

Durante o debate na Unifesp, o ouvidor da polícia do Estado de São Paulo, Mauro Caseri, afirmou que as mortes decorrentes de intervenção policial têm um componente racial bastante forte.

“Elas acontecem em determinados territórios das cidades, não é na cidade como um todo; tem também determinada faixa etária, que é de 19 a 29 anos; e tem a questão racial, que são jovens negros”, disse.

Arquivamento de processos

Outro dado relevante é o grande número de casos de mortes em ações policiais arquivados pelo Ministério Público de São Paulo. Segundo o ouvidor, 95% dos policiais que cometem homicídios têm os processos arquivados pelos promotores. “Desses, 5% que não são arquivados, de novo, 95% são absolvidos. Esse índice de arquivamento é assustador.”

Para contribuir com a redução de mortes por policiais, Caseri defende a instalação das câmeras corporais em toda a tropa da Polícia Militar em São Paulo. “Quando se instala as câmeras corporais, diminui a morte de policial e diminui a morte de civis. Porque obriga o policial a trabalhar no protocolo. A exigência do cumprimento do protocolo evita a abordagem truculenta e consequentemente uma morte”.

Já para responsabilização dos agentes, uma medida relevante é a preservação do local das ocorrências para a produção de laudos periciais eficientes. “Os laudos apresentados no Tribunal de Júri são laudos frágeis [em geral], porque o local não é preservado”, relatou o ouvidor.

Desrespeito a normas processuais

O professor Thiago Amparo aponta ainda o desrespeito a normas de direito processual. De acordo com ele, a pesquisa “Suspeita fundada na cor” (FGV-2023), que analisou indícios de seletividade racial em condenações por tráfico de drogas, aponta que várias provas eram obtidas por meio de invasão irregular a domicílio, mas justificada como “entrada franqueada”, ou seja, que a pessoa havia autorizado a entrada do policial.  

“Quase a totalidade dos casos em que a defesa alegava alguma nulidade – dizendo que a prova foi obtida de forma ilegal, que a abordagem foi ilegal, que não teve respeito a regras processuais -, os argumentos eram constantemente desconsiderados pelo Judiciário”, acrescentou.

A falha na produção das provas também é um fator que dificulta a responsabilização de agentes do Estado. No que diz respeito à investigação e atuação pericial, a pesquisa “Mapas da Injustiça” (FGV-2025), que analisou 800 casos de mortes decorrentes de intervenção policial em São Paulo, maioria entre a população negra, concluiu que 85% dos processos não tiveram exame de pólvora nas vítimas.

“Muitas vezes, as pessoas chegam [ao IML], já se tira a roupa e já perdeu-se qualquer tipo de vestígio.” 

Amparo avalia que o uso das regras jurídicas para a manutenção da violência, especialmente contra pessoas negras, faz parte de um projeto político.

“Isso é um projeto político de opacidade de dados, porque a gente não sabe qual é a seletividade concreta que há no pedido de arquivamento [dos processos]; opacidade de dados com relação a seletividade na implementação das câmeras, do seu uso e do protocolo policial; e uma seletividade na forma que é feita a abordagem policial.”

Herança da ditadura

O professor compara as mortes atuais cometidas pelo Estado àquelas executadas durante a ditadura militar.

“Percebe-se que existem continuações importantes na forma que essas mortes acontecem. A gente vive [hoje] num regime democrático, mas nem todo mundo vive sob um regime democrático com direitos iguais. Mesmo na democracia, tem ainda a preservação de muitas dessas barbáries”.

Amparo destaca que, a pesquisa Mapa da Injustiça, mostrou que 40% das vítimas tinham sinas de agressão anterior à morte, como hematomas e estrangulamento. O estudo ainda tem o objetivo de disponibilizar dados sobre a letalidade policial praticada contra a população negra no estado de São Paulo. 

Quando os pesquisadores conectaram os indícios de graves violações de direitos humanos com a narrativa dentro dos processos, houve um enorme contraste, segundo Amparo. “A narrativa é ‘a pessoa era muito violenta, a pessoa atirou primeiro, eu só reagi, somente me defendi’. Só que a gente não consegue provar essa narrativa, exceto pela própria palavra dos policiais envolvidos.”

A principal prova de absolvição nos casos de mortes decorrentes de intervenção policial, destaca o pesquisador, é justamente a palavra dos próprios policiais. “Como você não tem nenhum outro elemento [comprobatório], você acaba caindo na própria palavra dos próprios policiais. Há um referendo do que o policial diz, que é o que o Ministério Público diz e é o que o juiz diz”, explicou.

Fonte: Agência Brasil

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